No início era um ponto. Ponto de partida. O ponto onde a tangente toca a circunferência, e faz-se a vida. O ponto pacífico.
O círculo é a timidez do ponto. A linha é o ponto desvairado. O travessão é o ponto-ante-ponto, a primeira exploração embevecida da infância. Ligando as palavras. Nasceu num ponto qualquer do mapa. Sua mãe levou pontos depois do parto. A linha reta é o caminho mais chato entre o parto e o ponto final, preferiu o ziguezague. Teve uma vida pontilhada, os pontos que caíam nos exames, os pontos que subiam na Bolsa, os pontos de macumba, os pontapés. Mas sempre foi pontual.
O ponto é uma vírgula sem rabo. (...)
Nova linha. Fez ponto em frente à casa da namorada, uma circunferência com vários pontos positivos, como a sua mãe apontada acima. Não dormiu no ponto, acabou convidado para entrar quando estava a ponto de desistir, pontificou sobre vários pontos, não demora já era apontado como íntimo da casa, jogava cartas (pontinho) com a família, parecia um pontífice, não desapontou. Casaram. Tinham muitos pontos em comum.
O sexo! Ponto de exclamação. Querida, estou a ponto de... não! Cuidado. Ponto fraco. A tangente toca a circunferência. Outro ponto no mapa. Parto. Pontos.
Tiveram muitos pontos em comum. Outros caçoavam: que pontaria! Discordavam num ponto: a pílula.
Zig-zag-zig-zag. Os ponteiros andando. Um dia, no futebol — jogava na ponta — sentiu umas pontadas. Coração. O ponto-chave.
O médico insistiu num ponto: pára.
Mas como? Chegara a um ponto em que não podia parar, era um ponto projetado no espaço, a vida é um ponto com raiva, parar como? A que ponto? Saiu encurvado. Como um ponto de interrogação.
Só uma solução, dois pontos: os 13 pontos na loteria. Senão era um ponto morto. A linha reta no eletro, outro ponto pacífico, o ponto no infinito onde as paralelas, a distância mais curta entre, cheguei a um ponto que, meu Deus... três pontinhos.
Jogou o que tinha num ponto de bicho e o que não tinha num ponto lotérico. Não deu ponto.
Em casa a circunferência e os sete pontinhos. Resolveu pingar os pontos nos is. Melhor deixar uma viúva no ponto.
De um ponto de ônibus mergulhou, de ponta-cabeça, na ponta de um táxi, ou de um ponto de táxi na ponta de um ônibus, é um ponto discutível. Entregou os pontos.
O Popular, Rio de Janeiro
José Olympio, 1973, p. 97-98
Um comentário:
Meu ponto atual é definitivamente o de mutação. Pensando bem, também pode ser o "ponto, parágrafo".
Texto incrível!
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